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Autora: Joana Petiz
Sapo, 6 de Janeiro de 2025

Não é uma solução milagrosa, mas em casos de ansiedade e depressão resistente e algumas adicções pode realmente fazer a diferença, garante Bárbara, que conta ao SAPO a viagem de horror que a levou ao fundo e como voltou a ver uma luz que não distinguia há décadas. Vítor Rodrigues, psiquiatra e professor no ISPA, explica como funciona e a diferença que faz a abordagem posterior do que se revela sob efeito dos psicadélicos, permitindo níveis de consciencialização que ajudam a tratar as causas, mais do que os efeitos.

Inteligente, independente, empenhada e decidida, Bárbara era ainda uma adolescente quando decidiu rumar à Noruega para ali fazer o liceu. Não falava uma palavra de norueguês nem conhecia ninguém, nem sequer na família de acolhimento para casa da qual se mudou, mas sonhava com a experiência internacional e, sendo uma aluna excelente, deu tudo dela para conseguir ser selecionada para o programa (uma espécie de Erasmus muito restrito, dirigido a alunos do secundário). A faculdade levá-la-ia a mais um desafio autoproposto, superado com distinção, cumprindo a formação superior em Engenharia Informática nos Estados Unidos, que lhe abriria portas a uma carreira de luxo.

Esta podia ser uma história com final feliz e sem soluços, mas a vida de Bárbara era, de facto, bastante diferente daquilo que quem com ela lidava adivinharia. «Poucas pessoas entendem, porque eu fui de facto privilegiada na vida, mas hoje entendo que já em adolescente eu lidava com uma depressão», conta ao SAPO. Hoje com 31 anos, relata como foi preciso bater no fundo do poço para ganhar coragem para procurar uma saída para a ansiedade e depressão resistente, num país em que 23% das pessoas sofre com problemas de saúde mental e apenas 10% deles recebem tratamento adequado. Essa porta, Bárbara encontrou-a na terapia assistida com ketamina [ou cetamina].

«Os meus pais divorciaram-se quando eu tinha 12 anos. O meu pai era alcoólico e eu sempre fui uma criança muito medrosa; lembro-me de ficar em pânico, sempre a achar que alguma coisa teria acontecido se simplesmente a minha mãe não me atendesse o telefone…» Entrava de imediato em espiral descendente, a imaginar cenários terríveis para ela e a irmã mais nova, e mesmo não tendo ainda o vocabulário para exprimi-lo, sentia o mundo desmoronar-se, ficando ela irremediavelmente soterrada. Durante anos, mais de uma década, a solução para o profundo terror e impotência que a puxavam cada vez mais para a depressão era ignorar, enterrar, andar para a frente fosse como fosse. «Sentia que não tinha outra opção, dadas as condições de excelência que tinha na vida», conta agora ao SAPO, revelando como tudo era piorado pela convicção de que não tinha o direito de sentir-se miserável. […]

«Muitas vezes, as pessoas encaram a depressão como uma fraqueza», explica ao SAPO Vítor Rodrigues, diretor clínico da The Clinic of Change, que abriu portas em Lisboa em 2023 e onde Bárbara encontrou, finalmente, um caminho de verdadeiras melhorias. «As pessoas acham que têm de ultrapassar a situação sozinhas e adiam a busca de ajuda. E as correntes abusivas de coaching que vendem esse otimismo exacerbado — aquelas teorias de que tudo é bom, não há coisas más senão na minha mente e eu sou capaz de combatê-las — não ajudam , porque às vezes não estamos bem e temos de procurar ajuda.» […]

«Para uma percentagem significativa de pessoas que sofrem de depressão e ansiedade, a medicação melhora, mas não se ultrapassa o problema; vai-se testando antidepressivos e terapias e a pessoa arrasta-se nessa situação, sem que volte verdadeiramente a sentir-se bem, com risco de dupla depressão e recaídas cada vez mais frequentes», explica Vítor Rodrigues, apontando que essas são as pessoas indicadas para o tratamento de psicoterapia assistida com ketamina que, entre um leque de outros tratamentos e acompanhamento, a The Clinic of Change oferece. Um tratamento que mereceu, já no ano passado, vários painéis de debate no Congresso Nacional de Psiquiatria, tendo sido apresentados estudos de Francisco Santos (Abordagem na depressão resistente: a experiência do uso de cetamina num hospital do SNS), Pedro Castro Rodrigues (Cetamina combinada com psicoterapia para depressão resistente: real-world evidence e o papel da experiência subjetiva) e Pedro Zuzarte (Cetamina num serviço público: novas fronteiras no tratamento de depressão resistente, dependências e outras comorbilidades).

O fundo do poço e enfim a luz

Ao voltar ao Porto para trabalhar, a saúde mental de Bárbara começou a deteriorar-se até um ponto em que «a depressão era tão resistente a tratamento que até os fármacos deixaram de funcionar, fosse qual fosse o cocktail». Esteve várias vezes de baixa, desesperou, experimentou todas as soluções que lhe propunham, ao ponto de chegar a estar internada no Hospital de Aveiro a fazer terapia electroconvulsiva. Nada funcionava. «Sentia-me tão mal que todos os dias quando ia para o Metro ficava a olhar para os carris. Nunca fiz nada porque não tive coragem.»

E então atingiu «o fundo absoluto». «Estava farta de tentar tudo e não podia mais. À hora de almoço, fui para casa, deitei-me e decidi ter um último momento de conforto e nunca mais sofrer», conta. «Estava a fazer uma medicação que sabia ter risco de overdose e tomei a caixa inteira — acho que também por ter consciência da possibilidade de ser uma decisão reversível, se chegassem a tempo para me socorrer.» Enfrentar o olhar de profunda tristeza da mãe, quando acordou no hospital, foi o trampolim para decidir que não só nunca mais tentaria algo semelhante como precisava de reagir, de procurar uma verdadeira solução.

«Interessava-me e estudei tudo o que fossem tratamentos para depressão resistente e encontrei estudos sobre a ketamina que me entusiasmaram, porque sugeriam ser das poucas substâncias que conseguem diminuir a intenção suicida em 40%, em apenas 24 horas. Era um milagre», conta Bárbara, que acabou por chegar às notícias sobre a abertura da The Clinic of Change, foi investigar o trabalho de David Nutt e da Awakn, parceira britânica pioneira naquele tratamento inovador, leu tudo o que havia disponível sobre a terapia assistida por ketamina. E enfim contactou Vítor Rodrigues. «Eu estava informada sobre o tratamento e os riscos, e estava desesperada por uma solução. Tinha tirado tempo para mim, para voltar a ser pessoa, em vez de estar só em stand by mode

[Continua]

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