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É utilizada nos tratamentos da depressão mais resistente em Portugal há cerca de quatro anos. O São João já oferece abordagem terapêutica com cetamina

8 de Agosto de 2024

Texto: Amílcar Correia
Imagem: Guillermo Vidal

Há já cinco serviços públicos de Psiquiatria em Portugal que utilizam cetamina [ou ketamina] para tratamento de depressões mais resistentes. Os hospitais Beatriz Ângelo, Júlio de Matos e o Centro Clínico das Janelas Verdes, na Grande Lisboa, foram os primeiros a fazê-lo. Mais recentemente, foi a vez de o Hospital de Magalhães Lemos, no Porto, adoptar aquela substância nos seus tratamentos e, desde esta semana, do serviço de Psiquiatra do Hospital de São João, na mesma cidade.

Esta nova abordagem terapêutica foi introduzida neste estabelecimento de saúde pelo psiquiatra Pedro Sousa Martins. O médico aproveitou a sua experiência de estágio numa clínica de Berlim, na Alemanha, dedicada à utilização de substâncias psicadélicas para tratamento de depressões, para propor um protocolo clínico com base nessa experiência pessoal.

«Propus um protocolo fundamental, em 2022, com base na literatura internacional, que até agora tem acumulado ainda mais evidência», explica ao PÚBLICO, «que foi aprovado pela comissão de farmácia, comissão de ética e direcção de serviço de Psiquiatria do São João».

As propriedades psicadélicas da cetamina tanto têm servido para a diabolizar no passado, como para suscitar novas investigações e usos no presente. A cetamina era, de início, um medicamento anestésico, na década de 60. O facto de várias pessoas relatarem sonhos intensos ao acordar fez despertar a curiosidade pelas suas potencialidades psicadélicas.

Mas é, precisamente, nessa década, abanada por uma contracultura em tempos de guerra do Vietname, que as substâncias chamadas “psicadélicas” foram proibidas, assim com a sua investigação científica. Michael Pollan explica o resto em How to Change Your Mind (que deu origem a um livro e a uma série televisiva). A cetamina ressurge, já neste século, como antidepressivo rápido.

Num contexto em que os tratamentos de Psiquiatria têm vindo a estabilizar em função de um lote de substâncias constante há décadas, o recurso à cetamina tem sido estudado como abordagem terapêutica em casos de depressão mais resistentes, para as quais os antídotos mais clássicos têm sido ineficazes. […]

A cetamina começou a ser utilizada nos tratamentos da depressão, pela primeira vez, no Hospital Beatriz Ângelo, há cerca de quatro anos. Os resultados dos ensaios a nível internacional ajudaram a reunir provas científicas sobre a substância, a que ela fosse considerada nas linhas de recomendação internacionais de tratamento, e a afastar dogmas.

Na prática, o facto de a cetamina fazer parte das principais orientações de tratamento da depressão no Canadá, na Austrália e de reconhecidos organismos dos EUA e Reino Unido permitiu aos hospitais portugueses «oferecer um tratamento que já faz parte das recomendações, apesar de não estar oficialmente aprovado», esclarece o psiquiatra Pedro Castro Rodrigues. Trata-se de um uso off-label, isto é, um medicamento que é usado para uma indicação diferente daquela para a qual foi aprovado.

Como diz o coordenador da Unidade de Depressão Resistente do Hospital Júlio de Matos, o «médico não tem de se limitar à prescrição só do que está formalmente aprovado para cada indicação». Pedro Castro Rodrigues considera importante que este tratamento exista no Serviço Nacional de Saúde, sem custos para os pacientes e prevê que novos serviços venham a ser criados num futuro próximo.

Essa utilização decorre, portanto, da acumulação da prova científica resultante de ensaios clínicos e a sua administração off-label está já estabelecida nas principais guidelines internacionais do tratamento destes casos mais resistentes a outras terapêuticas para a depressão. Um desses ensaios teve lugar no Hospital de Júlio de Matos, tendo levado a concluir que os sintomas de depressão foram reduzidos em 70% dos casos de doentes com depressão resistente. Talvez mais revelador tenha sido o facto de metade dos doentes permanecerem sem sinais de depressão três meses após a conclusão do tratamento.

[…]

Leia o artigo completo no jornal Público.