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EM BUSCA DE SOLUÇÕES PARA LESÕES CEREBRAIS, ALGUNS VETERANOS EXPERIMENTAM TRATAMENTOS COM PSICADÉLICOS

Sem conseguirem encontrar tratamentos eficazes no seu país, alguns veteranos de guerra americanos com sintomas de lesões cerebrais estão a atravessar a fronteira em busca de terapias com psicadélicos que ainda não são legais nos EUA.

Autor: Dave Philipps
Fotografias: Mark Abramson
16 de dezembro de 2024

Num soalheiro dia de julho, uma carrinha cheia de veteranos das operações especiais do exército americano cruzou a fronteira com o México para uma missão que até para eles é estranha.

Ao longo de 48 horas, vão experimentar uma substância psicadélica, passar por um período de alucinações e ver a sua consciência a ser alterada. O objetivo é encontrarem aquilo que até agora não encontraram em mais lado nenhum: alívio para o stress pós-traumático e para sintomas de traumatismos e lesões cerebrais.

«Pode parecer um exagero, mas já tentei tudo o resto e não funcionou», explica o soldado reformado Jason, que, como todos os outros dentro daquela carrinha, pediu para não dar o nome completo, sobretudo por causa do estigma ainda associado aos psicadélicos.

Depois de uma longa carreira militar em que esteve exposto a explosões e tiros, vê-se agora a braços com depressão e raiva, uma memória afetada e problemas de concentração. Estava prestes a divorciar-se. Chegou a apontar uma arma à cabeça.

«Não sei se este tratamento vai resultar», disse Jason sobre a terapia com psicadélicos. «Mas neste momento não tenho nada a perder.»

«Eles só se querem sentir melhor, e percebem que isto está a funcionar.»

A terapia com psicadélicos está a tornar-se cada vez mais comum entre veteranos de guerra. Durante muitos anos, as clínicas de tratamentos com psicadélicos no México eram opções quase desconhecidas e de último recurso usadas sobretudo para o tratamento de adicções. Recentemente, os veteranos descobriram que elas também proporcionam uma solução duradoura para problemas de saúde mental com os quais têm de lidar desde que deixaram de combater.

Não há registo de quantos veteranos já procuraram tratamentos destes no México. Os donos das clínicas estimam que já tratam alguns milhares de veteranos americanos por ano, e dizem que os números não param de crescer. Muitos destes soldados têm acesso a um serviço de saúde gratuito para militares nos EUA, mas sentem que os tratamentos convencionais para problemas de saúde mental relacionados com traumas de guerra são ineficazes.

O departamento de Estado dedicado aos veteranos anunciou este mês que, pela primeira vez em 50 anos, irá financiar investigação científica dedicada a terapia com psicadélicos. Mas enquanto os estudos avançam, o tratamento vai continuar a ser inacessível para a maioria dos veteranos, provavelmente durante vários anos. […]

Alguns soldados ainda no ativo também já estão a fazer estas viagens para aceder aos tratamentos com psicadélicos, apesar do risco de serem punidos se forem apanhados. «Quem é que os pode condenar?», questiona uma alta patente do Exército americano. «Já tentaram falar com psiquiatras, tomar todo o tipo de medicamentos, e acabam sempre frustrados. Eles só se querem sentir melhor, e percebem que isto está a funcionar.» […]

Estudos revelam uma redução de sintomas na ordem dos 90%

Um grupo de investigadores da Stanford Unversity entrou recentemente em contacto com 30 veteranos que fizeram este tipo de tratamento. O estudo que daí resultou, publicado em janeiro, concluiu que os sintomas de depressão e stress pós-traumático (PSPT) reduziram acentuadamente, em cerca de 90%, e continuaram baixos pelo menos até um mês depois. Os investigadores também detetaram melhorias na performance cognitiva, incluindo nas capacidades de aprendizagem e memória.

As ressonâncias magnéticas, feitas um mês depois do tratamento, mostram que certas área do cérebro desses veteranos ficaram mais espessas do que eram, explica o Dr. Nolan Williams, professor associado de Psiquiatria em Stanford que liderou este estudo. «Podemos verificar mudanças físicas no cérebro — uma espécie de fenómeno de reparação neuronal que não se encontra em nenhuma outra terapia moderna estabelecida ou com medicamentos aprovados.»

Outra equipa de investigação da Universidade do Texas encontrou melhorias similares na área da saúde mental.

«A questão que permanece é quanto tempo pode durar», diz o Dr. Charles Nemeroff, codiretor do Center for Psychedelic Research and Therapy na faculdade de Medicina daquela universidade. «Ainda não sabes qual é a duração dos efeitos.» […]

«Não sei explicar o que aconteceu, mas resultou.»

Os veteranos acompanhados por esta reportagem acordaram no domingo surpreendidos por se sentirem tão bem. Um dos homens disse que tinha conseguido dormir bem pela primeira vez em muitos anos.

Sobre a experiência com o aumento da consciência, disse-nos logo depois Jason: «Não foi uma visão — eu não vi coisa nenhuma, mas consegui sentir tudo.» Estava com um ar espantado, e tinha lágrimas a correr pela cara. «Fui invadido por esta sensação de que estou bom», acrescentou, dando depois uma gargalhada.

Após dez anos de terapia no sistema de saúde do Exército, tinha sentido muito pouca evolução: «Este tratamento podia poupar muito dinheiro às Forças Armadas.»

Dois meses depois, numa entrevista, os veteranos afirmaram que aquela viagem à clínica tinha melhorado drasticamente o seu sono, o seu estado de espírito, as suas relações e as suas perspetivas sobre a vida. Jason acrescentou ainda que tinha parado de fumar e de beber, e que já não precisava de canábis para dormir. Sentia-se mais gentil, mais pacificado. Tinha agora um pensamento claro e uma memória muito melhor.

«O efeito ainda não passou», disse. «Não sei explicar o que aconteceu, mas resultou.»

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