O Dr. Guilherme Bastos Martins, médico psiquiatra da The Clinic of Change e coodenador do Pólo de Sintra do Instituto para os Comportamentos Adictivos e Dependências, foi o mais recente convidado do podcast Mal, Obrigado!, criado no âmbito da Fundação Bento Menni, com o objetivo de aumentar a literacia em saúde.
O médico levou a debate questões fundamentais sobre a prevenção, tratamento e impacto social da dependência, abordando temas desde a discriminação das drogas ilícitas até à importância das salas de consumo assistido.
Na conversa, que se desenrola ao longo de quase uma hora e que poderá ouvir na íntegra aqui, o Dr. Bastos Martins salienta que os comportamentos de dependência são frequentemente enquadrados na esfera judicial, resultando na sua perceção predominante como uma questão criminal em detrimento de uma abordagem centrada na saúde. Esta perspetiva não só dificulta a implementação de intervenções terapêuticas adequadas, como também perpetua estigmas que afastam os doentes dos serviços especializados.
Neste contexto, o psiquiatra elogia a existência de equipas multidisciplinares nos serviços especializados que se afastam do modelo médico-cêntrico, sendo este um passo essencial na reformulação das estratégias de tratamento. Estas equipas, que incluem terapeutas e assistentes sociais, procuram centrar o tratamento numa dimensão mais ampla e adaptada à realidade do paciente, reforçando a eficácia das intervenções.
Quando questionado sobre quais são os sintomas e sinais de alarme a ter em atenção quando falamos em comportamentos adictivos, o médico sublinha que a fase de negação é uma caracterização crítica do comportamento aditivo. “Uma das características do comportamento adictivos é a fase de negação. É uma ideia cinzenta entre a autodeterminação e a perda de liberdade. Se esse for um pensamento, se essa for uma ideia, significa que já pode estar no caminho do problema.”, acrescenta.
O simples fato de um indivíduo se questionar sobre a sua relação com uma substância pode ser indicativo de que já se encontra num caminho problemático. Nesses casos, a recomendação é clara: “Procurar ajuda, ir perguntar a um profissional de saúde, expor o problema“, explica o médico psiquiatra.
Para o Dr. Guilherme Bastos Martins, é fundamental que se saiba que existem estruturas especializadas que oferecem acolhimento sem moralismos ou condenação. O papel destes serviços é, também, dar resposta a dúvidas e auxiliar no reconhecimento precoce do problema.
Outro ponto de destaque abordado no episódio é a imprevisibilidade do consumo, impulsionado por memórias emocionalmente carregadas. Muitas vezes, estas recordações são capazes de desencadear uma recaída, mesmo em momentos inesperados. A dependência psicológica, segundo o Dr. Martins, pode ser um conceito útil, mas difícil de distinguir, ao contrário da dependência física, que é altamente objetiva.
Para o psiquiatra, todas as dimensões da vida podem ser afetadas pelo comportamento adictivo. No entanto, nem todas colapsam simultaneamente. O impacto mais precoce ocorre, geralmente, na esfera laboral, seguido pelas relações sociais. A família costuma ser o último reduto, mas também sofre as consequências do consumo continuado.
Curiosamente, os danos físicos da adição são tardios e podem atrasar o pedido de ajuda, prolongando um ciclo prejudicial.
A conversa com o Dr. Guilherme Bastos Martins deixa uma mensagem clara: a adicção não é uma falha moral, mas uma condição que exige atenção, compreensão e suporte especializado. O caminho para a recuperação passa, antes de tudo, pelo acolhimento e pela informação acessível a todos.
Ouça o Podcast completo aqui.