Autor: André Macedo
Jornal Económico, 18 de Outubro de 2024
Esta é a segunda parte sobre a utilização de ketamina para curar depressões prolongadas, burnout e outros problemas de saúde mental. Explica os efeitos concretos num paciente: um alto quadro de uma multinacional que estava a um passo de descarrilar. A 6 de novembro decorre em Lisboa uma conferência com o maior especialista global desta área que tem provocado a abertura de clínicas em várias capitais europeias.
Há um instante que pode durar anos a acontecer e a tornar-se inevitável. Pessoas que arrastam uma depressão prolongada e complexa, um labirinto escuro que não as conduz a parte alguma e que, um dia, finalmente, decidem dar o passo que as pode ajudar a libertar-se do peso que arrastam. Há quem tente psicoterapia, há quem durante anos tome antidepressivos que podem ajudar muito, pouco ou nada — e até podem ser contraproducentes, convertendo a vida do doente numa travessia sonâmbula da realidade.
Pessoas assim conhecemos todos. Na verdade, a doença mental converteu-se numa espécie de pandemia difícil de avaliar e que, demasiadas vezes, é sobreavaliada, como se a maior parte da população sofresse de stress pós-traumático ou de outro problema de saúde mental. O menu é extenso e por vezes até exótico, tão bizarro como a imaginação humana. Excluídos os exageros e as modas que fazem parte da permanente imersão mediática em que vivemos, o problema é real e não tem solução mágica, mas tem, pelo menos, uma luz sobre a forma de resposta química: chama-se ketamina [ou cetamina] e é a droga, sob forma legal, que está a chegar às capitais de todo o mundo e, em particular, às clínicas e hospitais especializados neste tipo de doença.
O enquadramento médico-científico que tem gerado um interesse à volta desta droga alucinogénica é um facto facilmente comprovável: a 6 de novembro realiza-se em Lisboa uma conferência sobre o uso medicamente assistido de ketamina e terá como protagonista David Nutt, o antigo responsável pela política de drogas do Reino Unido e reputado neuropsicofarmacologista. Nutt não põe reticências no que pensa sobre a ketamina e outras drogas semelhantes: “Estamos no limiar de uma revolução liderada pelas drogas psicadélicas nos campos da neurociência e da medicina psiquiátrica.”
O que isto significa ficará claro na conferência organizada pela The Clinic of Change, que iniciou estes tratamentos em julho do ano passado e diz ter uma taxa de sucesso de 70%, isto é, mais de dois terços de pacientes curados — embora haja registo de uma recaída de um doente durante este período de tempo.
Os casos que chegam à The Clinic of Change são espinhosos. Empresários, gestores, advogados, em regra muitos profissionais liberais entre os 30 e os 50 anos que atingiram o cume ou estão lá perto, mas que pelo caminho descarrilaram, foram acumulando e agravando problemas de saúde mental. […]
A vida é longa, se correr tudo bem. A meio da viagem os pequenos hábitos, especialmente os piores, tendem a tornar-se rotinas encurraladoras, camisas-de-forças, como aconteceu a Xavier P. (nome fictício), quadro de topo de uma multinacional que decidiu vir a Lisboa tratar-se da sua dupla adicção: droga e calmantes. “Um homem inteligente, com uma belíssima carreira e mundo e que, como tantos outros, ficou preso numa dinâmica autodestrutiva”, explica a psicóloga Carla Mariz.
Xavier P. já tentara outras maneiras de quebrar o círculo vicioso, mas voltou sempre à estaca zero. Profissionalmente muito pressionado, misturava ao diagnóstico o burnout, talvez a causa-raiz de uma personalidade que coloca o êxito e o reconhecimento no cimo da pirâmide de valores. Faltava-lhe talvez pouco para quebrar de vez, mas a terapia iniciada na The Clinic of Change inverteu o trilho de autodestruição.