«Fiz psicoterapia com psicadélicos e foi assim que correu.»
Vice, Outubro de 2023
Texto: Becky Burgum
As palavras «ketamina» e «terapia» não podiam convocar imagens mais díspares. Se uma remete para diversão com os amigos, fugas à realidade e todo o tipo de loucuras da vida, a outra fala-nos de uma situação nada divertida com um estranho que nos obriga a confrontar todos os demónios que andamos a tentar evitar.
Dito isto, claro que falar de Psicoterapia Assistida por Psicadélicos [neste caso, Ketamina] não implica entrar numa consulta de terapia e consumir drogas — é muito mais científico e especializado do que isso.
Estudos que remontam até aos anos 90 mostram que a ketamina pode ajudar a tratar a depressão crónica, nem que seja temporariamente. Se alguma vez teve o azar de passar por uma operação de emergência no hospital, por ter partido um osso ou deslocado uma articulação, até é possível que já tenha sido anestesiado com este medicamento. Mas se por um lado a revolução psicadélica segue um curso ascendente, por outro ainda há gente que continua a associar a ketamina simplesmente a um tranquilizante ou a uma droga recreativa.
Passei os últimos nove anos da minha vida a tomar e a parar de tomar antidepressivos e a fazer terapia. Apesar de ter chegado a um ponto em que já entendia os meus problemas e as suas enroladas raízes, continuava sem conseguir desbloquear a chave para alterar o meu comportamento. Sempre achei que era impossível silenciar a voz interior que criticava tudo o que eu fazia — aquela que, como algumas pessoas sabem, nos faz bullying simplesmente por respirarmos. Nunca tive uma ansiedade daquelas que impedem as pessoas de sair de casa, ou uma depressão daquelas que afectam toda a nossa existência, mas, para citar apenas alguns problemas, sofri de ansiedade social, ataques de pânico, baixa auto-estima e falta de confiança nas minhas capacidades (uma surpresa para muita gente, ao que parece).
E depois conheci a Awakn, a primeira clínica de Psicoterapia Assistida por Psicadélicos no Reino Unido. Nasceu em Bristol em Março de 2021 para oferecer uma nova abordagem no tratamento de adicções. Apesar de não ser a única clínica a propor tratamentos para a saúde mental com ketamina, é a única no Reino Unido que combina esse medicamento com um programa intenso de psicoterapia. E este programa não se limita a substituir os antidepressivos por ketamina [ou cetamina]. Implica um programa terapêutico de quatro semanas que intercala sessões de dosagem do medicamento com sessões de integração de psicoterapia. Não é acessível para toda a gente a nível de orçamento, mas a ideia é que chegue eventualmente ao sistema nacional de saúde.
«Em doenças como a depressão ou a adicção, as pessoas ficam presas em pensamentos circulares — sobre não terem valor, por exemplo, ou sobre a necessidade de beber álcool», diz o Professor David Nutt, uma das vozes mais conceituadas na investigação científica com psicadélicos. «Muitas vezes, estas pessoas sabem que esses pensamentos estão errados, mas não conseguem eliminá-los, e os psicadélicos conseguem quebrar esses padrões do cérebro.»
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Mas será que funciona tão bem como toda a gente afirma? Devido ao meu historial de depressão, tive acesso ao programa.
Uma coisa que foi muito importante para mim, foi sentir-me mais presente no meu corpo e na minha vida ao longo de todo o processo. Nunca tinha sentido tanta lucidez e, como a maioria das pessoas, nunca tinha passado quatro semanas dedicada tão intensamente a entender-me e a melhorar-me.
Deparei-me também com mudanças significativas: já consigo descartar o pensamento automático, quando estou a interagir com alguém, de que me estou a envergonhar. Consigo, verdadeiramente, respeitar-me mais, valorizar-me, aceitar as minhas vontades. E há ainda as mudanças mais tangíveis: consegui deixar de usar as unhas exageradas e falsas que usava há décadas; comecei a fazer meditação; arranjei de novo tempo para os meus passatempos mais antigos, como dançar; já não fumo cigarros electrónicos. Sinto-me mais espiritual, de forma descontraída. Até já me parece bem a ideia de fazer ioga.
Se injectar um medicamento pode parecer uma medida extrema, basta pensar desta maneira: é uma solução muito rápida e eficiente quando comparada com outras formas de terapia ou medicação. E também quando comparada com os efeitos secundários de muitos antidepressivos — na verdade, consegue ser muito mais gentil com a nossa mente.