Autor: Joana Petiz
Sapo, 1 de Julho de 2024
Portugal é dos países com maior prevalência de doença mental. Mas a psicoterapia assistida por psicadélicos pode ser uma saída para os casos mais extremos. É o que contam Keise e Carolina, que se criam condenadas pela depressão e pela anorexia, mas cujas histórias têm um final feliz.
«Eu era muito viva, gostava de estar com amigos, de festa… e a depressão roubou-me isso, fez-me ficar presa, querer morrer.» O testemunho de Keise é como um murro no estômago daqueles que ainda acreditam que a depressão é coisa de quem tem demasiado tempo disponível — sim, ainda há quem não encare a doença mental como uma realidade tanto ou mais lesiva do que uma doença que afete o corpo e cujas consequências são visíveis a olho nu.
Quando foi mãe e depois de ter trocado o Brasil por Portugal, Keise piorou como nunca. «Havia dias em que ficava na cama, tive quatro episódios de tentativa de suicídio, tinha crises de ansiedade, não falava com ninguém», conta, recordando como a doença mental começou a repercutir-se no corpo (anemia, sangramentos, dor crónica…). A procura por uma saída aparentemente cada vez mais improvável, levou-a, por conselho da sua psicoterapeuta, à The Clinic of Change, numa altura em que «já nem conseguia falar» e ali garante ter vivido um «milagre».
Num país em que três em cada dez pessoas já foram diagnosticadas com depressão (33,6%), uma situação ainda mais comum entre adolescentes, sobretudo desde a pandemia, com o número de crianças e jovens a apresentar sintomas de depressão a chegar aos 45% em 2023, de acordo com o programa de promoção de saúde mental e prevenção de comportamentos suicidários «Mais Contigo», o relato de Keise, feito na primeira pessoa, pode ser uma notável ajuda para quem se sente sozinho nesse beco sem saída. Pela partilha do testemunho, mas sobretudo porque se trata de uma história com um final feliz. Um desfecho que é comum à história de Carolina.
«Obcecada com a alimentação saudável» desde os 11 anos e com graves problemas de sono, recorda-se de evitar refeições em público, de começar a «restringir muito a alimentação e a emagrecer muito». «O controlo da alimentação e as notas da escola passaram a ser o centro da minha vida», conta, relatando como a psicoterapia e a psiquiatria a que foi aderindo, por si só, pouco puderam contra uma anorexia feroz, marcada por ansiedade e hipervigilância constantes. «Vivia centrada em controlar tudo e isso só me fazia sentir miserável», recorda Carolina.
A anorexia, que afeta na sua esmagadora maioria mulheres (95% dos casos, com 4500 hospitalizações confirmadas, muitas delas repetidas vezes, e 25 mortes em Portugal entre 2000 e 2014), não acabou da pior forma «por sorte», assume Carolina, reconhecendo que «por várias vezes» esteve perto da morte. Depois é veemente: «Com este tratamento, passei a sentir» aquilo que racionalmente sabia ser verdade. «A aprendizagem foi emocional, foi experiencial, foi visceral, e não apenas cognitiva.» Foi o que fez a diferença.
O que há em comum no salto de Keise e de Carolina? O tratamento recorrendo a psicoterapia assistida por psicadélicos, que tem ganho força na ambição de tratar, em vez de gerir, a doença mental. Em Portugal, a The Clinic of Change é especializada neste tipo de tratamento recorrendo a quetamina [ou cetamina/ketamina], licenciada pela ERS e pelo Infarmed. Parceira de estreia da britânica Awakn (especializada em medicina psicadélica com protocolos de investigação científica nesta área com instituições tão prestigiadas como o Imperial College de Londres, a Universidade de Exeter e o próprio serviço nacional de saúde britânico) na União Europeia, abriu portas há um ano em Lisboa para mudar o panorama de um país que é, entre os do espaço europeu, o que regista maior incidência de casos de ansiedade, estando no top três da depressão.
[Continua]