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O que se passa no cérebro durante uma trip continua a ser uma das grandes questões não respondidas da neurociência, embora se saiba muito mais do que há 15 anos. O neuropsicofarmacologista inglês David Nutt traz-nos luz sobre esta questão no excerto que publicamos a partir do livro Psicadélicos.

Sapo, Junho de 2024
Texto: J.M.A.

O professor David Nutt, neuropsicofarmacologista e professor de medicina no Imperial College London, estuda há 15 anos os efeitos do uso de psicadélicos no tratamento de problemas de saúde mental, da depressão ao transtorno de stresse pós-traumático ou ao transtorno obsessivo-compulsivo. Uma investigação que também recai sobre a dependências e a dor crónica.

Em 2018, David Nutt cofundou o primeiro centro de investigação académica sobre psicadélicos, que reavivou o interesse pela compreensão e utilização destas drogas nas suas várias formas, incluindo MDMA, ayahuasca, cogumelos mágicos, LSD ou cetamina. Os resultados desse trabalho foram entendidos como revolucionários.

O livro Psicadélicos (edição Nascente) com autoria de David Nutt sintetiza o trabalho do investigador. A obra introduz o leitor no conhecimento «das drogas que estão prestes a tornar-se mainstream e a integrar terapias com efeitos comprovados na melhoria da saúde», lemos na apresentação ao livro.

«Os psicadélicos constituem a nova revolução da neurociência e da psiquiatria. Nos últimos anos, o mundo dos psicadélicos mudou drasticamente. Há 50 anos que a Guerra às Drogas ao nível global, iniciada nos Estados Unidos pelo presidente Nixon, nos anos de 1960, baniu estes compostos da maneira mais draconiana (…) agora, o presidente Biden afirmou que a psilocibina e o MDMA virão a tornar-se medicamentos nos Estados Unidos dentro de dois anos», escreve David Nutt na introdução ao seu livro.

Alguns excertos do capítulo do livro publicado na notícia:

Um primeiro olhar para o cérebro sob o efeito de psicadélicos

Tal como era esperado, foram precisos vários anos até obtermos a aprovação ética e o financiamento para o nosso primeiro estudo, captar imagens do cérebro sob o efeito da psilocibina. O estudo iniciou‑se finalmente em 2008. Escolhemos a psilocibina por várias razões. É muito segura — não há mortes comprovadas, apesar de milhões de pessoas a usarem há milhares de anos em grande parte do mundo. No Reino Unido, os adolescentes e jovens na casa dos vinte fazem frequentemente infusões com cogumelos mágicos durante a estação em que estes crescem, no outono. […]

Os relatos pessoais foram praticamente como se esperava. Mas depois vieram os resultados de imagiologia. E foi um conjunto de resultados dos mais surpreendentes que já vi numa vida inteira dedicada à ciência. Só uma vez tivera resultados de experiências que eram exatamente o contrário do que fora previsto. Da primeira vez, tinha criado uma máxima científica: Se os teus resultados forem o contrário do que previste, é provável que sejam verdadeiros.

Tínhamos antecipado que assistiríamos a um aumento do fluxo de circulação cerebral, em especial no sistema visual do cérebro. Porém, a atividade das regiões visuais permanecia inalterada. Com efeito, não encontrámos quaisquer aumentos da atividade, em nenhuma zona cérebro.

No entanto, todos os sujeitos tiveram alucinações, então, o que as estaria a provocar? O que descobrimos foi que, em três zonas do cérebro, houve um profundo decréscimo de atividade. E, quanto mais fortes as experiências psicadélicas relatadas pelas pessoas, mais essas três zonas se desligavam. «Liga‑te, conecta‑te e sai fora!» passara a ser «Desliga‑te, conecta‑te e sai fora!».

Esta primeira descoberta inesperada deu início a uma fascinante trip ao cérebro sob o efeito dos psicadélicos. No Imperial College, somos os seus líderes mundiais. Completámos três estudos de imagiologia sobre a psilocibina. Publicámos o primeiro artigo a definir os circuitos cerebrais do LSD.100 E, mais recentemente, conduzimos a imagiologia cerebral para o DMT101 e estamos atualmente a conduzir estudos com o 5‑MeO.

Em colaboração com a Universidade de Cardiff, conseguimos usar tecnologia direcionada para revelar a atividade cerebral de uma forma mais detalhada e matizada, em termos de qualidade e de quantidade. O efeito BOLD, uma técnica de ressonância magnética funcional, mede mais diretamente a atividade cerebral através das mudanças ao nível do oxigénio no sangue. E o MEG, um tipo de EEG especial, dá uma medição mais precisa da atividade elétrica no cérebro. No estudo sobre o LSD, dado ter uma duração superior à da psilocibina, tínhamos tempo de fazer o BOLD e o MEG a cada sujeito no mesmo dia. Isto teve uma grande vantagem; as duas técnicas de imagiologia diferentes mas complementares puderam validar os resultados uma da outra.

Cada um dos estudos que fizemos levou‑nos mais perto de compreender como os psicadélicos afetam o cérebro. Contudo, provavelmente estamos apenas no início do que isso significa para compreender a consciência. Este capítulo explica o que aprendemos até ao momento.

Leia o artigo completo.