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É um dos nomes mais sonantes do mundo quando o assunto a drogas psicadélicas diz respeito. Há décadas que David Nutt, psiquiatra e professor de Neuropsicofarmacologia no Imperial College de Londres, onde dirige a divisão de Ciências do Cérebro, se dedica a estudar o impacto destes compostos no cérebro, em particular no tratamento de patologias mentais, como a depressão e a adição por álcool e drogas.

Em Portugal, o uso de cetamina – substância já comummente aplicada como anestésico – chegou ao Serviço Nacional de Saúde pelo Hospital Beatriz Ângelo (o único público a fazê-lo na Europa) e já há clínicas privadas a apostar nela em terapias para o tratamento de casos crónicos e graves de depressão, como acontece na The Clinic of Change, que abriu recentemente em Lisboa e que é parceira da Awakn Life Sciences, onde Nutt assume o cargo de diretor de investigação.

O médico, professor e cientista de 72 anos conversou com a CNN Portugal por videochamada dias antes de se juntar à conferência científica ‘Ketamine Psychotherapy – Clinical Evidence and Brain Mechanisms’ (psicoterapia com cetamina – Evidências clínicas e mecanismos cerebrais, em tradução livre), que se realiza no próximo dia 20 de setembro, em Lisboa, pela mão da The Clinic of Change, em parceria com o ISBE – Instituto de Saúde Baseado em Evidência e o ISPA – Instituto Universitário de Ciências Psicológicas, Sociais e da Vida.

A ciência começou a estudar os efeitos das drogas psicadélicas na saúde mental há cinco décadas. Cinquenta anos depois, a sociedade está pronta para considerar os psicadélicos como aliados da saúde mental?

Espero que sim, porque nesses 50 anos tivemos muito poucos progressos noutros tipos de tratamento. É escandaloso que nos tenha sido negado o acesso a estes tratamentos durante 50 anos por causa das preocupações com o uso recreativo, não médico, que na verdade não é assim tão prejudicial. Por isso, este é um dos piores exemplos de proibição de drogas que conduz a consequências desnecessárias e perversas que alguma vez existiu.

Atualmente, qual é o principal desafio na utilização de substâncias psicadélicas como tratamento? É o ceticismo no seio da própria comunidade científica ou o estigma e o medo entre o público em geral?

É mais estigma e medo entre a classe médica. O público em geral tem a mente aberta. O público em geral sabe que a ciência é boa e forte, e o público em geral sabe que precisamos de inovação. Mas a classe médica está muitas vezes insegura em relação a estes medicamentos porque passou 50 anos a dizer às pessoas que são perigosos e agora, de repente, tem de lhes dizer que não, que se enganaram. Por isso, estão a ter de mudar de opinião. E, por isso, temos de convencer os médicos de que estes medicamentos não só são seguros e eficazes, como também conhecemos o seu mecanismo de ação, o que é muito interessante, porque funcionam de uma forma completamente diferente dos medicamentos tradicionais. E isso significa que dão às pessoas uma oportunidade de responder quando não conseguem responder a outros medicamentos.

Mas, afinal, o que é que os psicadélicos oferecem no tratamento das doenças mentais que os outros medicamentos não oferecem? 

Oferecem uma abordagem alternativa em termos de mecanismos cerebrais. Muitas vezes funcionam onde outros tratamentos falharam, e funcionam mais rapidamente. E isso é notável. Funcionam muitas vezes numa só dose e não ao longo de semanas e semanas, como acontece com os tratamentos tradicionais para a depressão ou para as dependências.

É uma terapia mais eficaz a médio e longo prazo ou mais a curto prazo?

Funcionam mais rapidamente a curto prazo e têm perspetivas semelhantes a longo prazo. Mas, na verdade, são melhores do que a maioria dos tratamentos atuais, porque a maioria dos tratamentos atuais falharam nas pessoas em que os estamos a usar. Por isso, nos estudos em que foram confrontados com os tratamentos atuais, parecem ter melhores resultados e ser mais rápidos.

De onde vem, então, o ceticismo da comunidade médica?

Porque é bastante revolucionário e porque não está a ser ensinado nas escolas de medicina. Quero dizer, para ser justo, só agora está a chegar às conferências onde os médicos vão para aprender. Por isso, nos últimos três ou quatro anos, tenho dado aulas sobre psicadélicos nas principais conferências europeias e, atualmente, a maioria das conferências tem pelo menos uma sessão sobre este tema. E há muito interesse. Mas, como sabe, o interesse das pessoas que vão a conferências não é o mesmo que o das pessoas que não vão a conferências. Por isso temos de educar os médicos que podem estar um pouco mais presos aos seus métodos, que se sentem confortáveis a fazer o que estão a fazer, porque, na verdade, quero dizer, na minha perspetiva, é um novo desenvolvimento muito empolgante, porque não é apenas o medicamento, é o medicamento mais a terapia. Por isso, dá aos médicos a oportunidade de se envolverem novamente com os seus doentes e de fazerem psicoterapia, o que anteriormente não acontecia. Trata-se de um desenvolvimento interessante. Talvez alguns médicos não queiram ter de se dar ao trabalho de reaprender. Mas, por outro lado, quando virem os resultados, penso que ficarão satisfeitos.

O professor David Nutt vem a Portugal para falar sobre a psicoterapia assistida por cetamina. Pode explicar-nos em que consiste?

A cetamina é uma das novas drogas psicadélicas de que estamos a falar. É uma droga que temos há muito tempo. Utilizámo-la como anestésico e para controlar a dor. Mas agora tem sido utilizada de uma forma diferente para tratar perturbações como a dependência e a depressão. E a forma como é utilizada consiste em produzir um estado cerebral alterado durante uma ou duas horas, que permite às pessoas escapar aos processos de pensamento, aos ciclos de pensamento, que estão na base dos seus problemas. Depois, as pessoas fazem psicoterapia. Uma sessão terapêutica tem como objetivo ajudá-los a compreender as perceções que adquiriram com a experiência da droga. Assim, podem começar a aperceber-se de que, durante a experiência, podem não estar deprimidos ou não estar viciados. E, depois, temos de desenvolver isso para que possam desenvolver novas formas de pensar, como ‘eu não sou um toxicodependente’, ‘eu não estou deprimido’. E uma das coisas interessantes sobre a cetamina é que ela produz um processo chamado neuroplasticidade. Torna o cérebro mais capaz de aprender depois de a tomarmos. […]

Em Portugal, a cetamina tem vindo a ganhar destaque no combate a casos graves e crónicos de depressão. Como é que este medicamento pode ser uma potencial solução para esta doença, que tem um impacto tão significativo a nível mundial?

É a primeira inovação real no tratamento da depressão em 50 anos. O seu funcionamento é diferente do dos antidepressivos. Funciona onde os antidepressivos não funcionaram e atua em diferentes partes do cérebro. Por isso, tem muitas coisas diferentes a seu favor. E é por isso que é emocionante, porque pela primeira vez em 50 anos, as pessoas com depressão têm um tratamento alternativo aos antidepressivos tradicionais.

E porque é que a depressão continua a ser uma doença tão desafiante?

Porque provavelmente se trata de mais do que uma perturbação, porque está a tornar-se mais comum devido ao stress e às incertezas da vida. Se formos jovens e olharmos para o mundo e virmos o aquecimento global e pensarmos como as coisas pioraram nos últimos 10 anos, ficamos aterrorizados se as coisas continuarem a piorar tanto como agora. Há muita incerteza no mundo, e isso leva a uma depressão. E penso que as pessoas também estão mais abertas a falar sobre o assunto. Atualmente, as pessoas estão dispostas a tentar procurar tratamento, quando antes talvez sofressem e acabassem por se suicidar. […]

O que podemos esperar dos tratamentos com cetamina no futuro da saúde mental?

Isto é uma revolução. Penso que este vai ser o futuro do tratamento da saúde mental. Vai ser a maior inovação nos próximos 20 a 30 anos. E vai transformar o tratamento e vai dar muita esperança a muitas pessoas que atualmente não têm esperança.

Encontre aqui a entrevista completa da CNN Portugal.